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14/05/2010

A adoção por casais homoparentais


Esse é um tema que tem encontrado grande espaço em debate na atualidade, dentro e fora do Brasil. Por aqui corre uma discussão sobre novas medidas e leis onde mais do que nunca essa questão sublinha nossos traços de homofobia. Correntes religiosas se colocam em bloco contra a aprovação de qualquer brecha que permita uma flexibilização maior para a adoção feita por casais homossexuais. Fica a pergunta que não se cala: que “cuidado” é esse que prefere uma criança institucionalizada(criada por orfanatos e ongs) do que por um casal homoparental amoroso e dedicado à formação dessa criança?


Pesquisas feitas dentro e fora do Brasil apontam para inúmeros fatores bastante positivos em relação a crianças(adotadas ou filhos naturais) criadas por casais homoparentais, são inúmeros dados que demonstram uma realidade bastante satisfatória. Que tipo então de barreiras ou entraves poderiam sustentar toda essa resistência em possibilitar de forma mais fecunda a adoção para inúmeros casais gays que assim desejam proceder?
Vemos que esses entraves e objeções se respaldam muito mais em discursos e crenças religiosas do que nos dados de pesquisa e acompanhamento de crianças criadas por casais homoafetivos, não cabe no mundo contemporâneo entraves dessa natureza, não quando falamos em Estados democráticos e supostamente laicos. A psicologia e psicanálise poderão colaborar para que esse tipo de questão possa ser pensada a partir de outra ótica.
Muito do que faz sustentar empecilhos para esse tipo de adoção é construído por teorias supostamente do campo psi e se respaldam em leituras equivocadas a respeito da teoria freudiana que trata do Complexo de Édipo, buscam um Freud ainda no início das suas pesquisas e negando tudo mais que ele veio posteriormente postular sobre esse “Complexo”. Negam também todas as outras considerações a respeito que importantes autores pós freudianos trouxeram para o debate, como as questões sobre as funções e lugares que Jacques Lacan esclareceu.
Já não se sustenta nem mais a questão de uma patologia no que se refere a homoafetividade, como já tivemos oportunidade de falar sobre, aqui mesmo nessa revista, com o nosso artigo sobre homofobia, então a orientação sexual não deveria ser um impedimento para as adoções ou ainda para o registro de crianças com sobrenome de duas mães, filhos naturais concebidos por fertilização in vitro, como houve um recente caso divulgado pela mídia.
Temos notícias de alguns casais aqui no Brasil que já conseguiram formalizar adoções, inclusive com permissão judicial para que a criança possa levar os sobrenome dos dois(uas) parceiros(as). Passos importantes assinados por juízes que sabem ler o mundo onde vivem, pautando suas decisões no Direito que preserva a vida e a igualdade entre os seres.
Pensamos que muito que sustenta o fato de que não conseguimos ter maior acesso a notícias sobre esses casais e suas crianças, está relacionado com os índices que falam de comportamentos homofóbicos fortemente instituídos em nosso país. Os casais optam, em nome de uma proteção maior para seus filhos, em permanecer anônimos, em silêncio sobre suas experiências com a adoção, a maternidade e a paternidade.
Hoje temos políticos que caminham na contramão daquilo que a sociedade trabalha em termos de compreensão e vivência da diversidade como é o caso do PL 4508/2008, de autoria do deputado Olavo Calheiros (PMDB/AL), que visa justamente a proibir a adoção de crianças por casais homossexuais. De acordo com Elizabeth Zambrano (UFRGS) existe um grande número de pesquisas feitas desde a década de 70 que demonstram que a orientação sexual dos pais em nada altera as questões apresentadas pelos filhos.
A desembargadora Maria Berenice Dias(TJ/RS) vê nesse projeto de lei do deputado, uma “inconstitucionalidade flagrante”. Ele propõe que a adoção possa ser pleiteada “apenas por casal que tenha comprovado o casamento oficial e a estabilidade da família, sendo vedada a adoção por homossexuais”.
Essa questão toda, então, começa em uma que a antecede que se inscreve na não aprovação do casamento para casais homoafetivos, questão essa que sofre entrave e combate acirrado organizado pelas correntes religiosas que se fazem representar nos congressistas. A visão de que as relações constituídas pela homossexualidade vêm a sofrer então, um olhar que se afasta do campo científico e vai se respaldar em preceitos religiosos, impossibilitando dessa maneira um debate pela racionalidade, como se costuma dizer no popular: “ a fé é cega”.
Pelo campo da psicologia nenhuma dessas argumentações se sustentará até porque, como já dissemos aqui e em outros artigos, a homossexualidade hoje é abordada como uma das possibilidades dentro das orientações em termos da sexualidade, não tendo mais inscrita nela qualquer noção de patologia e desvio, sempre é bom lembrar que o CFP editou já há dez anos resolução a respeito e proibindo aos profissionais em psicologia oferecerem tratamento para “reversão(cura) da homossexualidade”.
Uma criança abandonada deve encontrar um lar pronto a lhe acolher e amar, lidar com as questões que provavelmente surgirão na adaptação a um novo modo de vida onde um “lugar” para ela se construirá, quase sempre essas crianças estarão vindo de lugar algum, onde o afeto que constrói a cada um de nós, naquilo que algumas linhas denominarão de maternagem, lhes foi negado de todas as maneiras, conheceram por outro lado o abandono e muitas vezes os maus tratos e a negligência. Diante de fatos assim a pergunta sobre qual seria a importância da orientação sexual dos seus novos pais nisso tudo se torna inevitável. Teria realmente alguma importância para a construção desse sujeito a relação homoafetiva de seus cuidadores? As pesquisas até agora encaminhadas apontam para que esse aspecto em nada indica uma problemática, mas outros como capacidade de afeto e acolhimento pesam muito mais para o futuro dessas crianças.

Crianças que para os casais que já puderam ter esse privilégio têm nome, personalidade, presença afetiva, história em conjunto, presença carinhosa, construção de vida, ganham memórias e fatos no cotidiano real, são mais que números protocolados ou dados de pesquisas. Amar uma criança, torná-la filho(a) é algo que nos impõe mudanças que marcam para sempre nossa subjetividade, é sempre uma escolha fazer isso, a gravidez talvez possa até ser questionada como algo que não se constitua necessariamente em um ato de escolha, mas o tornar-se pai, tornar-se mãe, está para muito além da biologia, somos sujeitos psíquicos, sujeitos do desejo, seres da pulsão, o que nos afasta do instinto. Um casal quando decide adotar, movimenta todo um tecido afetivo que une um par em direção a essa vivência. Isso sim precisa ser levado em conta, essa emoção e possibilidade psíquica para desempenhar essa tarefa que exigirá tanto, de maneiras diferentes nos diversos momentos que atravessarão na formação daquela criança. Não há nada que aponte para o fato de que a orientação sexual interfira nessa capacidade de doar-se e ser capaz de realizar todos os atos que o cotidiano exigirá daquele que se aventura nas terras da paternidade ou maternidade.
Mais ciência e menos fé ou preceitos religiosos é o que se torna necessário para que se olhe para essa questão. Alguma pressão popular e de entidades organizadas para que possamos construir uma regulamentação a respeito da questão e para que possamos inserir em nosso conhecimento do campo psi a vasta diversidade e a questão contemporânea das diferentes organizações familiares. Não cabe mais no velho álbum de retratos aquela família de uma só forma, que ao sair de frente da máquina se dissolve em hipocrisia, desamor e não ditos que formam indivíduos às voltas com angústias impensáveis.
Está mais do que no momento, tem termos de organização social e conhecimento, de fazermos leis que estejam de acordo com o para onde caminha a humanidade.
*** Revista Psiquê Ciência e Vida - Editora Escala

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