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12/06/2010

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças


(Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004)

Por Eduardo J. S. Honorato e Denise Deschamps
         Se for pra chorar, que chore de “partida”. Prepare-se, pois esse filme também é um drama, daqueles de emocionar-se e refletir. Daqueles que no final, você fica sentado na poltrona, pensando, por alguns segundos.
          Assim como P.s. Eu Te Amo, este aqui fala de luto, mas de luto de um objeto que se manteve vivo no mundo real. É a separação e a dificuldade que temos em lidar com ela, seja de qual tipo for. É o investimento de energia de que Freud[2] falava, como investimos em objetos.

Quem não gosta de acompanhar uma história romântica, seja na novela, no cinema, ou na literatura? O cinema tem um Romeu e Julieta[3] mais modernizado e psicológico, e se chama: Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004). Assim como outros clássicos, esse filme retorna anualmente em debates sobre psicologia. Assim como uma pulsão que nunca é satisfeita totalmente, ele retorna, querendo contribuir mais.[4]
Não há muita coisa de novo nesse enredo. Trata-se de mais uma história de amor, como tantas outras, que emocionam aos que assistem. Como é gratificante assistir a um filme e deixar as salas de cinema, ou sala de casa, com aquela ótima sensação de felicidade.  Amor é sempre amor e não importa a forma. Ver a expressão desse sentimento nunca é demais.
O criador dessa maluca quase fábula romântico-tecnológica é Charles Kaufman, que já confundiu muito a cabeça dos espectadores ao criar o roteiro de Quero Ser John Malkovich (Being John Malkovich1999). Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças não tem início, nem meio, nem fim, mas sim, uma constante história de amor e paixão. Meio sem sentido, nos sentimos confusos, acreditando que é algo com o roteiro, quando na verdade, essa sensação é nossa.
Deixe-se levar pelo personagem. Preste atenção que logo na sua abertura somos presenteados com o belíssimo poema de Alexander Pope, chamado “Eloisa to Abelard”, que dá origem ao título do filme.
Feliz é a inocente vestal! 
Esquecendo o mundo e sendo por ele  esquecida. 
Brilho eterno de uma mente sem lembranças 
Toda prece é ouvida, toda graça se alcança.[5]
Não tem quem não se emocione, sinta-se confuso, perdido, angustiado, ou qualquer outra coisa com esse filme. Por lidar de maneira direta com o inconsciente (Freud)[6], de certa forma, identificamos todos algum conteúdo nosso alí representado. Não foi à toa que o filme ganhou o Oscar de melhor roteiro. O objetivo é atiçar nossos sentimentos.
Quase cinco anos depois de lançado, o filme compartilha conceitos com uma campanha de marketing recente. A marca de bombons Serenata de Amor lançou um comercial instigando os telespectadores a questionarem-se sobre o sentimento de paixão. Procure na internet sobre essa campanha e você vai entender. Ela e o filme se complementam.
Clementine... Oh, Clementine... (Kate Winslet). Essa personagem tem sua personalidade expressa pela cor de seus cabelos. Suas cores representam algo seu, provavelmente escolhidas pelos nomes exóticos das tintas. Sempre expressamos nossa subjetividade no nosso dia a dia. Somos assim e demonstramos isso o tempo todo. Usamos constantemente as projeções (Freud[7]). Mostramos isso também na maneira como desenhamos, o que desenhamos, como desenhamos. E por isso que existem os testes psicológicos, que são validados cientificamente. Não tem como burlar, porque seria como mentir sobre quem é você.
Clementine é realmente impulsiva e quem a amar terá que se adptar a essas repentinas ações pulsionais não barradas (Freud). Joel (Jim Carrey) é mais recatado, e traz alguns fantasmas de relacionamentos anteriores. Ele é o antagonismo da impulsividade de Clementine. Que encaixe mais perfeito!
Você conhece alguém impulsivo ou alguém mais recluso, que está sofrendo de amor. Todos conhecemos e já vimos ou ouvimos essa mesma história, de outros dois sujeitos de outros inconscientes.
Nossa Julieta, em mais um ato impulsivo seu, escolhe um método futurista, antiético, imoral e ilegal (ilegal porque você não pode vender um produto que o consumidor não saiba que adquiriu e possa reclamar, muito menos se tiver defeito). Então, a impulsiva laranjinha deleta Joel de sua mente, na tentativa de evitar o sofrimento que a realidade traz, quando suas projeções são cortadas pela dura realidade.
Nem toda a tecnologia do mundo pode chegar aos pés da complexidade que é o cérebro humano, não somente enquantohardware, mas também enquanto software.
Como começamos uma paixão? (É a pergunta do comercial). Realmente “escolhemos” por quem nos apaixonamos? No filme, ao observar o relacionamento dos protagonistas, ficamos com a impressão de que na segunda vez havia mais honestidade, mais sinceridade, menos máscaras. 
A sensação de “já nos conhecemos” que ambos sentem ao se reencontrarem nada mais é do que os mesmos conteúdos sendo acionados novamente. Como diz o comercial, parafraseando Freud, relacionamos-nos com algo que projetamos no outro, e que este outro, de alguma maneira, reativou esse conteúdo inconsciente. Este sistema obedece ao senhor id que dispara novamente o mesmo estímulo, mesmo que as funções racionais ou egoicas estejam intactas.
Se lembrarmos que Freud contribuiu muito com a neurologia, pois sua formação era em medicina, podemos fazer uma analogia de sua teoria com a máquina futurista apresentada no filme.
Tal aparelho nada mais faz do que deletar a associação livre para chegar aos conteúdos ligados com o relacionamento deles. O que é aquela máquina, senão uma destruidora de associações livres (conexões entre as ideias)? Entretanto, contrariando Freud, a máquina pedia para que “pensasse” e não “falasse”. Talvez não estava prevendo uma ação do superego entre o pensamento e a fala. Todos os mecanismos de defesa devem ser previstos e destruídos. É por isso que em um processo de análise o psicanalista pede para que você fale abertamente, sem medos ou receios. É através da sua fala que entendemos melhor os caminhos do seu psiquismo, através dessas associações.
Esse mecanismo psíquico é submetido a algumas regras e normas, relatadas por Freud. Assim, algo precisava ser feito para que essa informação, o amor por ela, ficasse guardado em algum lugar. Fica a pergunta, assim como fica no filme Os Esquecidos, se seria possível realmente apagar todas as conexões existentes entre uma ideia original (recalcada – esquecida – apagada) e a que surge na consciência com o afeto da primeira. Entendido esse afeto aqui no conceito da psicanálise (1ª tópica) que é sinônimo de energia livre que busca sempre uma nova representação para realizar assim o caminho da descarga (ligação).
Depois de esconder a informação de Clementine nas suas memórias mais arcaicas, infantis e sexualizadas, Joel tenta burlar a repressão, quer dizer, a máquina, e retorna à vida consciente (no sentido de  estar acordado - função do ego).
Reparem que ele menciona que levou essa informação às memórias mais traumáticas, mais humilhantes, mais destruídoras e ameaçadoras ao ego, na idade precoce, quando o superego não era tão severo ainda (Klein).[8]
Acordado, depois, encontra-se com Tangerine em toda uma situação do acaso, e mesmo assim, ambos têm angústia. Uma angústia que é sinal sem explicação consciente, mas que incomoda e é muito verbalizada no consultório por muitos pacientes.
Quem já não sentiu isso? Como em muitos casos, o tempo pode mostrar-nos que muito do que vimos no Outro, como projeção nossa, não corresponde à realidade. Aquela imagem que tanto amamos vai perdendo a cor e se a realidade for tão contraditória, torna-se mais forte e há o término. Com o tempo o namoro “esfria” (ver comercial).
Clementine não quer mais namorar Joel. O amor, como sempre verbalizam na clínica, perdeu o brilho (que antes parecia e mostrava-se tão eterno – ou como diria o poeta, sabiamente, “enquanto dure”).
Quantos namoros ou casamentos você conhece que “perderam a graça”? Não existe nenhuma resposta mágica para como reativar esse casamento. Cada casal construiu uma história junto, e seus objetos compartilhados que precisam ser descobertos em uma psicoterapia de casal, por exemplo, ou que se perderam e só resta enfrentar o luto e a separação.
A relação nada mais é do que uma troca material feita por dois sujeitos inconscientes, e que acreditam que estão no comando de suas ações, assim como o hardware do computador acredita que quem manda é ele, e não o software.
O filme complementa e responde ao comercial. Ninguém sabe o que faz ligar o botãozinho de novo? A psicanálise temuma das possíveis respostas: os mesmos conteúdos inconscientes que não foram deletados e não faziam parte daquela associação livre que fora destruída com todas as suas ramificações. Estes mesmos conteúdos foram ativados, projetados, liberados e uma nova paixão nasceu. Só que dessa vez, como o ego não pode agir, deu-se início com o mesmo objeto (Joel e Clementine).
É como se numa situação hipotética, dois amantes tivessem uma perda de memória recente, e esquecessem somente de ambos. E mesmo assim, reencontrassem-se e amassem-se novamente. Alguns os chamariam de almas gêmeas, nós diríamos que estão controlados por suas pulsões.
Outro filme que contém a mesma mensagem é Como Se Fosse a Primeira Vez (50 First Dates, 2004), em que a personagem de Drew Barrymore esquece, todos os dias, que se envolveu pelo personagem de Adam Sandler, mas mesmo assim, apaixona-se por ele novamente a cada dia, disparando uma nova paixão.
Repare na foto do cartaz original do Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Será que ela pretendia reforçar a tópica freudiana e sua ideia de iceberg ou as cenas de rachaduras no gelo são pura concidência e fruto da mente criativa do roteirista?
* Você já elaborou todos seus ex-relacionamentos?
* Já refletiu sobre o que lhe incomoda no de hoje?
* Teve tempo de refletir sobre cada possibilidade?
#  Cinematerapia Psicanálise Filmes Psicologia


[1] Artigo publicado originalmente, em outra versão, formato e tamanho na revista Psiquê – Editora Escala, Edição 39.
[2] ABRAHAM, K. Teoria Psicanalítica da Libido. RJ: Imago, 1978.
[3] Romance original de William Shakespeare
[4] GARCIA-ROSA, L. Introdução à metapsicologia freudiana. RJ: Zahar, 1995.
[5] Fonte: www.pensador.info
[6] FREUD, Sigmund. O inconsciente. Obras Completas. RJ: Imago, 1996
[7] FREUD, Sigmund. (1917[1916-17]). Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
[8] KLEIN, M. “Le developement precoce de la conscience chez l’enfant”. In: Essais de psychanalyse. Paris: Payot, 1972.

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